sexta-feira, 27 de maio de 2016

A cultura da violência sexista

 Em 1935, um jornal mexicano noticiou que um homem bêbado jogou a namorada numa cama e a apunhalou cerca de vinte vezes. Quando questionado pela polícia sobre o crime, o assassino respondeu que apenas foram umas “facadinhas de nada”. Sensibilizada pelo ocorrido, Frida Kalo pintou a cena.


A cultura da violência sexista


Você já foi chamada de puta?
Eu já fui!
Mas, as putas não merecem respeito? 
Sim, merecem!
Você já foi abusada na sua relação afetiva?
Eu já fui!
Você já foi assediada por chefe? 
Eu já fui.
Você já foi abusada em ônibus coletivo?
Eu já fui!

Mas, a maioria das intimidações e violências contra as mulheres são praticadas dentro de quatro paredes, no seio do lar. Dito isto, vamos demarcar o campo. As violências são praticadas por companheiros, por  homens que são de nossa mais  estreita convivência. São aquelas violências que humilham, tentam te desqualificar e menosprezar.  São praticadas por chefes, maridos, irmãos, amigos, companheiros. Pode ser velada ou explícita. Elas acontecem mais do que se possa imaginar.

A agressão é invisível, menosprezada. Onde deveria haver afeto, há humilhação. Aí é que reside a complexidade. Como ela é invisível, fica difícil  a denúncia, o reconhecimento e a punição. E, por ser velada, ela vai se avolumando e se configurando, paulatinamente. Quando a vítima percebe, muitas vezes, já é tarde. Ela já sofreu todo tipo de desconstrução do seu eu e da sua identidade. No trabalho, em casa, na escola, nas ruas, o tempo todo. A mulher é atacada,  assediada. Não há um espaço sequer aonde ela possa transitar sem ser vilipendiada na sua identidade feminina. O mundo patriarcal, cada vez mais, está a postos para usurpar e medir com uma régua curta a nossa condição. Não se trata de uma questão feminista, mas de uma luta quanto à desigualdade de gênero. É uma desigualdade sexista, onde o patriarcado impõe suas regras a qualquer custo.

Ao longo da história da humanidade, a mulher sempre foi desqualificada, Desde Maria Madalena, a suposta puta que Jesus (homem) salvou do apedrejamento, passando pela Idade Média, com a Inquisição, até nossos dias, somos queimadas. 77% das mulheres que relatam viver situações de violência sofrem agressões semanais ou diárias. Em mais de 80% dos casos a violência foi cometida por homens com quem a vítima tem algum vínculo:  marido, companheiro, irmão, chefes.

Quanto aos graves casos de estupros, no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que, destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia. Os registros do Sinan demonstram que 89% das vítimas são do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do total, 70% são crianças e adolescentes. As formas de controle ou cerceamento atingem 19% das mulheres com menor escolaridade, contra 27% das que possuem diploma superior. Já a violência psíquico-verbal é igual para todas, com 21%, e a sexual aponta uma diferença irrisória: 11% para quem tem ensino fundamental e 8% das diplomadas. A violência não tem classe social. Tanto atinge quem é pobre ou quem tem nível social elevado.

Uma triste constatação é que nas delegacias e ao solicitar Boletins de Ocorrências, as atitudes são de descaso e há uma tendência de culpar a vítima, que são as mulheres. Os homens que acolhem as denúncias, intimamente, acabam fazendo julgamento moral e assumem um papel vergonhoso de acobertar o denunciado. Não é raro mulheres se queixarem de abusos no atendimento dessas ocorrências por parte de agentes públicos. Essa deve ser uma das causas que levam muitas mulheres a desistir de fazer a denúncia. Há exemplos clássicos de que nada acontece com o agressor. Recentemente o médico famoso da elite paulista, Roger Abdelmassih, acusado de molestar sexualmente cerca de 40 clientes,  foi agraciado com um "habeas corpus" emitido pelo Ministro Gilmar Mendes, o que facilitou sua fuga. A impunidade é uma situação que intimida as vítimas. A Polícia, a Justiça, são machistas e operadas na maioria por homens e, sendo assim, julgam por seu espelho. Caso clássico é a absolvição do delegado que abusou da neta de 16 anos e, mesmo ela tendo narrado com detalhes o estupro, o juiz livrou o canalha (Vide link abaixo). Num país onde a Justiça está falida, não podemos esperar que haja punição aos criminosos. Dentro em breve, teremos de nos organizar em fileiras de autodefesa, como fizeram as indianas do Sari Rosa, que combatem com as próprias mãos os homens flagrados no abuso.

Denunciar é necessário, mas o receio com o que vai acontecer depois, com o parceiro e com a família, gera angústia e incertezas. Mas, é preciso romper o silêncio, quando a tentativa de diálogo é fracassada. O melhor seria manter o diálogo permanente, mas quando esse se esgota, não há mais o que fazer, então é preciso reunir coragem e romper com o silêncio, antes que seja tarde. 

Neide - 28 de Maio

http://brasileiros.com.br/2016/05/juiz-absolve-delegado-acusado-de-estuprar-neta/ http://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/121814480/violencia-contra-a-mulher-atinge-todas-as-classes-sociais
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36401054

  http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-e-estatisticas-sobre-violencia-contra-as-mulheres/