quarta-feira, 30 de abril de 2014

Rio Centro, 33 anos de uma "página infeliz da nossa história"



RIOCENTRO, OS 33 ANOS DESSA "PÁGINA INFELIZ DE NOSSA HISTÓRIA"

São completados hoje 33 anos do atentado militar no Show do Rio Centro em 30 de Abril de 1981, que comemorava o Dia do Trabalhador e tinha como alvos vários artistas da MPB como Chico Buarque, Gonzaguinha, Bete Carvalho, João Bosco, João Nogueira, Alcione, Simone e vários outros. Todos esses artistas estavam engajados nas causas da abertura politica e Movimento pela Anistia. A ação planejada pela ditadura seria colocar sob o palco do show uma bomba que atingiria os artistas. Também colocariam outras bombas próximas ao público para matar pessoas anônimas causando comoção nacional. Caso o atentado fosse vitorioso, a culpa recairia sobre os grupos de esquerda. Isso foi o que planejaram os militares envolvidos.  A tragédia seria montada com a participação dos dois militares portadores da bomba, e outros que estariam nos bastidores para limpar os rastros deixados.  Ocorre que a ação falhou e a bomba explodiu no colo do Sargento Guilherme do Rosário, no banco do carona, que morreu na hora. O outro, Sargento Wilson Machado, sobreviveu pra contar a farsa! Segundo relatos obtidos pela Comissão Nacional da Verdade, os militares de alta patente sabiam com antecedência dessa ação terrorista dos militares, bem como o Presidente General Figueiredo, que  tinha como propósito atrasar a abertura política no país.
Para refrescar nossa memória e informar aos que não viveram esse período sujo da história recente, publico  os links abaixo, com matéria sobre os atentados, que comemorava o Dia do Trabalhador ( 30 de Abril de 1981). O atentado à sede na OAB tinha também  ligação com esse  episódio, ambos no inicio dos anos 80. Mas, a verdade ainda não está completa, ainda faltam peças do quebra cabeças que estão sendo montadas pela Comissão Nacional da Verdade.
Veja o link ao final.

Nessa época assumi, junto com outros colegas, o Diretório Estudantil de Psicologia da PUC/MG. Em BH bombas estavam sendo colocadas pelo  CCC - comando de caça aos comunistas - em bancas de jornais devido à venda de publicações contra o regime militar, havia muita tensão em nossas reuniões que vazavam madrugadas. Uma de nossas missões era a de colaborar com as oposições sindicais que surgiam em várias categorias de trabalhadores, com panfletagens nas portas de fábrica, ajudar com material nas campanhas para a vitória das chapas que expurgariam os interventores e  pelegos históricos das direções. Especialmente, colocava meu fusquinha à disposição das campanhas, colaborei com as oposições dos aeronautas (com meu saudoso irmão Elias), metalúrgicos de BH/Contagem, Massa Forte da Construção Civil e a dos Rodoviários. Tínhamos a energia e a rebeldia da juventude ao nosso favor. Mas, ainda era um período de ditadura com Figueiredo e Golbery/Newton Cruz.

Eu trabalhava na fábrica da Coca Cola. Lá tinha um capitão do Exército que servia de olheiro. Não sabíamos o nome dele, já que era conhecido apenas como "Capitão" e que circulava à paisana o dia inteiro dentro da fábrica, possivelmente para monitorar os trabalhadores e provavelmente "pescar" os nomes de quem poderia desestabilizar a "harmonia" interna. Ele fazia a ponte entre a alta direção da Coca cola de MG e a   ESG (Escola Superior de Guerra do EXÉRCITO) e toda a alta direção tinha uma carteirinha de membro dessa escola. Eu sabia disso porque era a responsável por plastificar as tais "identidades". Se não fosse pra esse fim, qual seria a razão desse milico ficar em nosso meio? Até que, um dia, descobriram a minha militância e fui demitida depois de quase 8 anos de trabalho lá. Mas, não sem antes me prenderem numa sala que tinha apenas duas cadeiras na penumbra, destinada a interrogatórios, pra descobrir quem eu era e a mando de quem eu estava lá. O interrogatório pelo qual passei, com mais 3 colegas, com pressão psicológica,  por cerca de uma hora cada um, serviu pra intimidar alguma possibilidade de organização interna de um grupo de trabalhadores que se insurgia. Pra quem não sabe, a ESG era uma "escolinha" do Exército que transmitia a doutrina de direita e as técnicas de tortura e interrogatórios, visando dar aos milicos e aos civis  as táticas e a formação da Doutrina de Segurança Nacional,  que tinha nomes de peso como o Jurista Ives Gandra, a deputada Sandra Cavalcante, centenas de empresários, vários coronéis , generais e Carlos Alberto Brilhante Ustra, o torturador mais famoso do Brasil, estes eram os alunos e professores da ESG.

A coisa ainda se apertava porque estávamos sendo vigiados em todos os locais por onde circulávamos. Os lacaios do regime ainda nos catalogava com filmagens clandestinas, fotografias à distância, ameaças veladas, telefonemas  anônimos e censuras nas noticias. A Abertura Politica e o movimento pela Anistia ainda eram cobrados pelos movimentos sociais e sindicais e  se articulava por meio de apoios internacionais.

Por isso, é importante relembrar esses fatos que são esquecidos ou desconhecidos por quem não os viveu de perto. Muitos de nós arriscamos a pele para exigir a abertura política e decidimos não ficar sentados num sofá confortável  vendo a "banda passar". Isso marcou definitivamente nossas vidas e não dá pra esquecer que muitos amigos, conhecidos, parentes e desconhecidos foram vítimas de um Estado que matava, exilava, explodia e, até hoje, muitos  desses algozes estão sem punição.  Há centenas de famílias que reclamam informações de pessoas que foram "sumidas" .

Por isso, insisto em relembrar esses fatos e  não deixar essa memória morrer. Triste é uma nação que não louva seus verdadeiros heróis. Tristes são as pessoas que ainda dizem que com a ditadura havia "ordem" no país. Tristes são os que ainda hoje, com tantas informações sobre o horrores praticados, desdenham de nós que queremos a abertura dos arquivos pra verdade aparecer em nome dos Direitos Humanos. Não posso ficar impassível, a consciência não permite.

Com um abraço afetuoso.

Neide Pacheco

Aqui os links -

https://www.youtube.com/watch?v=ZWj-YALnsl4

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/como-era-para-ser-o-ataque-do-riocentro-506.html

http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-04/atentado-do-riocentro-foi-a%C3%A7%C3%A3o-articulada-do-estado-diz-cnv

http://oglobo.globo.com/pais/riocentro-documentos-revelam-que-figueiredo-encobriu-atentado-12030727