sexta-feira, 18 de dezembro de 2015


Manicômios, nunca mais!


“Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”
(Carlos Drummond de Andrade)


                                                                                                                        
Neide M. Pacheco*

Venho acompanhando com muita preocupação o debate sobre a questão manicomial e a posse do novo Coordenador de Saúde Mental do MS, o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho, historicamente defensor do modelo manicomial. Foi diretor de um dos maiores centros de internação psiquiátrica do país, num manicômio que foi alvo de muitas denúncias de violações de Direitos Humanos. Felizmente, seu hospital foi fechado em 2012, após um longo processo na Justiça. Portanto, não admitimos retrocessos numa luta que teve seu embrião em 1974 com a vinda ao Brasil de Franco Baságlia. O Ministro afirma que a escolha foi "neutra". Ora, senhor Ministro, na vida não há neutralidade em nada! Qualquer escolha que se faz, se faz dentro de uma concepção filosófica, política e ideológica! O nosso Movimento de Luta Antimanicomial é histórico e forte, não admite concessões dessa natureza. Nossa luta foi e é árdua pra manter um sistema mais humanizado de tratamento aos portadores de sofrimento mental por meio dos modelos descentralizados, mantidos nas comunidades, próximos das famílias. A luta hoje é para ampliar  a rede de acolhimento e fornecer as condições pro cidadão ter uma formação e se emancipar economicamente. Não admitimos qualquer mudança que faça retroceder essa luta histórica.

Tenho na família um portador de esquizofrenia, desencadeada na adolescência. Depois de algumas internações compulsórias em hospitais manicomiais, que duraram em média 30 dias cada uma, todas ocorridas antes da sanção da Lei Antimanicomial, em nenhuma delas houve resultado satisfatório, ou seja, o paciente  piorou seu quadro de esquizofrenia. A “orientação” do hospital psiquiátrico era a de manter o paciente confinado e sedado, “zumbizado” e em estado de morbidez constante. Nas visitas, mal conseguia se expressar, com olhar vago e os músculos retesados pela forte carga de Aldol e Akineton.  Naqueles  pesados dias de visitas nenhuma informação sobre a evolução do quadro, nenhum contato dos médicos, nenhuma atividade laboral.  Sequer conseguia expressar alguma emoção e contato conosco no momento das visitas.. Um ambiente frio, triste, impessoal e uniforme, todos sob efeito das drogas medicamentosas, como um bando de mortos-vivos andando em círculos, braços tesos, pernas robóticas e babando. Um quadro desolador. 

 O atendimento por  equipes multidisciplinares, proporcionado pela Política de Saúde Mental do SUS, é a melhor das condições por considerar o paciente como um ser complexo e com necessidades emocionais,  afetivas,  físicas e outras várias. É aí que se insere a diferença entre o  modelo  excludente da psiquiatria tradicional, manicomial,  e o novo modelo da proposta antimanicomial. A reinserção ao convívio familiar e na comunidade é a chave para um bom resultado. Os hospitais e clínicas psiquiátricas tradicionais só serviram para punir, excluir e  piorar as condições desses portadores de sofrimento mental e dependentes químicos, além de não ajudar a família a lidar com a doença. Já temos informações suficientes pra entender que o louco e o dependente químico também expressam as relações doentes de uma sociedade  que recusa as diferenças,  os joga no limbo e primam pela lucratividade com a doença. O modelo manicomial sequestra oficialmente  o sujeito, a família violenta o doente, o médico  tem o poder absoluto sobre ele e nada mais lhe resta a não ser perambular sem rumo.

Ao defender o fim completo desse modelo maléfico,  estou querendo dizer que não há saída se não olharmos o outro com os olhos do coração. Não há cura se não houver amor nas relações e o fim da  desqualificação do outro, é preciso dar aos sujeitos  a oportunidade de exercer o direito sagrado da cidadania fora dos muros dos manicômios!

Queremos que a Presidenta Dilma reconsidere a indicação do Dr.  Valencius à frente da Coordenação da Saúde Mental do MS. Ele não nos representa!

*Graduada em psicologia pós-graduada em Direitos Humanos